domingo, 14 de fevereiro de 2016

Viagem ao infitino


O mesmo sonho, as mesmas imagens que insistem em habitar minha mente: o corpo coberto de sangue, os vidros estilhaçados, o motorista bêbado e o derradeiro riso do moribundo ao me ver. Majoritariamente, esse é o meu sonho desde a minha infância, talvez seja uma mera lembrança ou talvez seja proveniente de alguma ficção. Não sei.

Antes que eu possa me aproximar do moribundo, acordo mais uma vez:

– Em que ano estou? – Pergunto para a loira apressada que atravessa a minha frente com enormes fones de ouvido.

(As loiras sempre me chamaram mais atenção, mas eu nunca despertei a delas). Ela nem me nota, continua correndo da minha solidão e insensatez. Sou o homem invisível de Deus. Aqui estou nessa esquina atemporal com uma aguda dor de cabeça, agravada pelas buzinas, usinas, turbinas que se juntam em uma sinfonia estridente.

– Minha cabeça vai explodir! – Grito mudamente.

Preciso sair daqui, preciso respirar. Encontro em um beco obscuro, um lugar mais calmo, no qual os mendigos e ratos me fitam com deslumbramento. Ali, consigo um instante para pensar, para que meu corpo me escute e para que eu possa realizar minhas conjecturas acerca daquele caos.

Ao que tudo indica, a máquina funcionou. Para me certificar, indago ao velho mendigo, tão senil quanto eu:

– Em que ano estamos, meu amigo?

– 1990, patrão.

– Muito obrigado, você não sabe como fico feliz em saber isso!

(Será que fiquei realmente feliz?) Levemente recuperado das vertigens, saio do beco e começo a caminhar, com os passos vacilantes, em direção aos resquícios da minha memória. Constato a realidade ao meu redor e, gradualmente, aqueles edifícios, casas e ruas vão se tornando familiares. Percebo que é minha velha vizinhança. Nesse momento, um arrepio me consome e tímidas lágrimas começam a se formar, rejuvenescendo a minha face exaurida.

Nessa época eu acreditava em um futuro com carros voadores e teletransporte, um futuro em que seríamos uma civilização evoluída, em que não haveria mais guerras e, sobretudo, no qual eu encontraria a mulher dos meus sonhos, porém, minha imaginação feneceu com o tempo e testemunhei o futuro se abrindo sob os meus pés, tornando-se um lúgubre presente e o presente se convertendo em pó. Eu diria àquela criança que, daqui a 50 anos, haverá apenas cacos do mundo idealizado por ela.

Ao menos inventaram a viagem no tempo, porque ainda tinham esperança no passado. Por isso estou aqui, um decrépito fantasma tentando se redimir por ser quem é.

Ao longe, observo meus pais sentados na varanda da nossa estimada casa. Sorrateiramente, aproximo-me e aprecio aquele casal feliz, não me lembrava que minha mãe tinha um sorriso tão belo e que os cabelos do meu pai eram tão vistosos. Repentinamente, irrompe sobre o gramado, um pequeno e viçoso cão com seus pelos dourados e que reluzem quando encontram os feixes de luz solar (É o Dexter!). Logo no seu encalço, surge uma criança, com as bochechas rosadas e os imensos olhos azuis, esforçando-se, inutilmente, para alcançar o veloz cãozinho. Eu consigo ouvir suas gargalhadas, eu quase posso senti-las, tentando reanimar o meu enferrujado coração.

Uma visceral dor no peito interrompe aquele sublime instante e me recorda de que o meu tempo está se esgotando, não posso permanecer aqui, por mais que seja o meu maior desejo, eu não posso me distrair do meu objetivo.

Aguardo meus pais deixarem a varanda e, com o corpo cada vez mais esmorecido, cambaleio rumo ao garoto e ao cãozinho desguarnecidos. Confiro se o revólver está no bolso (Infelizmente está), atravesso a rua como se cruzasse um oceano cinza e quente, quando, subitamente, ouço uma buzina.