sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O romance





Foi Deus quem fez Sara e Renan nascerem um para o outro. Mas eles não sabiam disso. Muitos anos foram necessários para que ambos se cruzassem pela primeira vez, naquela sala de cinema.
“Acho que ela olhou pra mim”, pensou Renan.
“Que lindinho. E tá olhando pra mim”, pensou Sara.
“Gata assim, aposto que tem namorado”.
“Sem anel no dedo, deve ser solteiro”.
“E se for solteira, só deve sair com quem tem grana… mulheres”.
“Ainda tá olhando pra mim, vou jogar o cabelo pra trás.”
“Ela mexeu no cabelo. Tá me dando bola?”
“Será que fui muito sutil? Ou será meu batom? Ai meu Deus, eu to de batom?”
“Quê que ela tá fazendo? Pra que batom?”
“Espera. Não vou passar batom, ia ser muito óbvio.”
“Ela é linda.”
“Ele é lindo.”
“E se eu fosse lá falar com ela?”
“Preciso fazer alguma coisa. Vou fingir que to procurando alguém e olhar pra ele de novo”.
“Ela tá procurando por alguém. Bem que ela podia olhar pra mim. Olhou!”
“Desviou o olhar. Que lindinho, é tímido.”
“Vou lá do lado dela. Ou não?”
Foi quando as luzes se apagaram e o filme começou. Deus, lá de cima, observava tudo com ternura (enquanto evitava uma batida de carros na Paulista). Na tela do cinema, um casal de desconhecidos se apaixonava loucamente, à primeira vista.
“Adoro comédia romântica”, pensou Sara.
“Peraí! Cadê o Stallone? Droga, entrei na sala errada!”, deu-se conta Renan.
“Que filme lindo. Pena que não acontece na vida real.”
“Que bobeira. Casais não se encontram assim, ao acaso”.
“Será que ele ainda tá olhando pra mim?”
“Desisto, vou procurar a sala com o filme do Stallone. Ei, ela tá… ela tava olhando pra mim?”
Uma linda canção de amor começou a tocar no filme, preenchendo a distância entre Sara e Renan. Um beijo na tela a fez suspirar. E ele, por instantes, esqueceu da timidez, da vida e do Stallone.
“É isso, vou me sentar do lado dela.”
“Ai, Meu Deus, ele tá vindo”.
“Ela me viu chegando.”
“Ele é tão cheiroso!”
“Ela é mais linda de perto. O que eu faço agora?”
Enquanto Renan se decidia, Sara pulsava em ansiedade. Só conseguiu olhar para o filme e sorrir, disfarçando o nervosismo, embora seus pés inquietos ainda a denunciassem.
“Oi, meu nome é Renan, e o seu? Não, muito óbvio. Tenho que ser mais descolado.”
“Gente, o que tá acontecendo no filme, eu to perdida.”
“Ela tá prestando atenção no filme. Melhor esperar acabar.”
“Ele desistiu?”
“E se eu pegar a mão dela?”
“Seria lindo se ele pegasse na minha mão. Ai, que fria essa sala.”
“Ela tá com frio. Oferece o casaco, oferece o casaco”.
Porém, as palavras “The End” apareceram na tela. As luzes se acenderam. A coragem se apagou. Tiveram tempo pra uma breve troca de olhares e levantaram-se. Cada um seguindo seu caminho. E lá em cima, Deus deu um tapa na própria testa e disse:
– Dãããããããã!
Num estalo de dedos, o Criador fez a porta do cinema emperrar e uma imensa fila se formou na saída da sala. Quando Sara se deu conta, Renan estava a seu lado.
“É ele.”
“É ela”.
“E agora?”
“Ela tá olhando pra mim. Seja o que Deus quiser”, e estendeu o corpo para beijá-la.
“Ele vai me beijar”, pensou Sara, fechando os olhos.
– Eu…
– Shhhhh…
E assim, sem palavras, se beijaram. Como nos filmes.
Lá em cima, Deus materializou um saquinho de pipoca, sentou-se em suas nuvens macias e colocou um disco dos Beatles pra tocar. Mais um final feliz. Como nos filmes.